Meus heróis eram os meus pastores
Fui
levado pelos meus pais à igreja com oito dias de idade para
consagração, há mais de seis décadas. Assim como acontecera com o Menino
Jesus. Passei minha infância e adolescência sob total influência da
igreja.
Meus heróis eram os meus pastores. Como se vestiam, como
falavam, como oravam, como pregavam, como viviam. Eram minhas
referências. Mais tarde descobriria que eram também referências
exemplares de meus pais. Mamãe orava pedindo a DEUS que Ele me
transformasse como um deles.
Não é de se estranhar que, ao final da minha adolescência, estava convicto de um chamado divino e queria ser como um deles.
Solidariedade regada a lágrimas
Um
dos aspectos que me marcaram profundamente era ver esses homens, culto
após culto, pregação depois de pregação, reunião de oração após reunião
de oração, chorando na presença de DEUS, com tal angústia de alma, que
terminavam o culto, a pregação, a oração com olhos inchados e vermelhos.
E
o que mais me tocava profundamente era o fato de que eles não choravam
por causa de suas necessidades materiais – e estas eram inúmeras e
sérias – mas era a favor da igreja em geral e das pessoas em particular.
Nas
visitas às casas de membros e não membros, doentes, presos,
necessitados em geral, que aconteciam regularmente ao longo da semana e
excepcionalmente em qualquer dia e hora, também eram marcados com atos
de solidariedade que iam desde o choro diante da tragédia, da
dificuldade e da tristeza alheia, como o repartir do pouco que tinham,
ou até mesmo ficam sem para que o outro pudesse ter sua necessidade
mitigada.
Os anos se passaram e o exercício do ministério
pastoral foi tomando outras formas, outros matizes. E como ele difere
hoje, em termos gerais, em relação do que acontecia há quatro, cinco
décadas atrás!
Chamado pastoral versus planos de carreira
O
ministério pastoral moderno tornou-se profissional. Pouco se fala em
chamado. Quase nenhuma preocupação com a vocação. O encanto do chamado e
a inspiração da vocação, premissas fundamentais para o exercício
ministerial, deram lugar a projetos de sucessão familiar e planos de
carreira inspirados em exercícios bi-vocacionais.
Os desafios da
Igreja-Empresa passaram a exigir homens e mulheres “profissas”, capazes
de administrar com eficiência, pragmatismo e competência, como em
qualquer outra atividade que precisa ser auto-sustentável, para não
dizer lucrativa.
O trato cotidiano das mazelas existenciais, o
lidar intenso com a dor, o choro, a tristeza, as perdas, os infortúnios,
as desgraças alheias, são hoje tratadas com parcimônia e o mínimo de
envolvimento emocional e afetivo. Somente o indispensável para dar um
toque de humanidade e manter uma salutar impressão de sensibilidade.
Chorar é coisa rara para um pregador hoje?
Não
se costuma ver hoje um pregador chorando no púlpito enquanto transmite
sua mensagem. Coisa rara. A gente fica até assustada e sem saber o que
fazer de tão incomum que é.
A mensagem é, via de regra,
consubstanciada com todos os recursos necessários de embasamento técnico
e teológico (nem sempre exegético e muito menos doutrinário), extraídos
de fontes respeitáveis, geralmente pelo eficiente processo “Ctrl C,
Ctrl V”.
Faz sentido isso.
Pois raramente essa mensagem é
gerada com dores de parto, ao longo de horas a sós na presença de DEUS,
na quietude do quarto fechado, joelhos no chão, gemidos de alma.
Os
pastores da minha adolescência não tinham bibliografia alguma, nenhum
comentário bíblico, um ou outro possuía uma surrada “Chave Bíblica” –
olhe lá! – nem compêndios, muito menos recursos de Internet, Google,
sites especializados.
Eu me lembro de um deles, citando um autor
de que não me lembro, afirmar que, “aquele que orou bem, se preparou
bem”. E assim, na dependência de DEUS, o Espírito Santo os conduzia como
canais, como verdadeiros instrumentos.
Discursos empolgados, mas quase sempre com olhos secos
As
orações de hoje se contrapõem às de outrora. Discursos empolgados,
inflamados, alguns absurdamente gritados. Mas quase sempre com olhos
secos. Com gritos, mas sem gemidos. Com empolgação, mas sem intercessão.
Por
isso, pastores de outrora eram homens de olhos molhados pelas lágrimas.
Lágrimas de quem entendia a essência do ministério. De quem carregava,
como Jesus, os pecados do rebanho e por ele, intercedia como Moisés,
disposto a renunciar à vida, caso DEUS não fosse atender tal
intercessão.
Hoje predomina o ministério de olhos secos. Secos de lágrimas. Secos de comprometimento. Secos de solidariedade.
O
Jesus que chorou ao avistar Jerusalém, chorou diante das irmãs de
Lázaro – e deve ter chorado outras tantas vezes quando a Palavra diz que
“Ele foi movido de íntima compaixão” – espera seguidores que não
exerçam um ministério de olhos secos.
• Sergio Fortes é formado
em teologia, direito e administração, sendo mestrando em Ciência das
Religiões. Atua como Consultor em logística e assuntos estratégicos.
Serve como leigo na Igreja Batista Central de São Bernardo do Campo.
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