Os últimos anos viram o florescimento, em círculos evangélicos, de uma
inegável preocupação com uma maior coerência entre o reconhecimento de
Jesus Cristo como Senhor e a missão da igreja. Se a autoridade de Cristo
se estende sobre toda a criação, o povo que confessa seu nome é chamado
a relacionar sua fé com a totalidade da vida humana. Nada que afete o
homem e sua história está isento da necessidade e da possibilidade de se
colocar em submissão a Cristo, e nada, portanto, está fora da órbita do
interesse cristão e missional. A missão integral é uma consequência
lógica da soberania universal de Jesus Cristo.
A partir dessa
perspectiva, a missão da igreja não pode se restringir à pregação dos
rudimentos do evangelho. Está orientada pelo propósito de Deus, que se
cumprirá em seu devido tempo, de unir sob o domínio de Cristo todas as
coisas, tanto no céu como na terra (ver Ef 1.10). Consequentemente,
rejeita a dicotomia entre o secular e o sagrado e se constitui no
fermento que leveda toda a massa. Isto não nega, claro, a importância da
pregação. O que nega é que esta possa se limitar ao objetivo de “ganhar
almas” e aumentar o número de membros nas igrejas evangélicas. Cumpre
seu objetivo quando se coloca a serviço da missão integral, quando é
portadora das boas novas do reino de Deus, quando ecoa aquele que diz:
“Faço novas todas as coisas”.
Na Declaração Evangélica de
Cochabamba, que surgiu da primeira conferência da Fraternidade Teológica
Latino-americana (1971), se afirmou que “o púlpito evangélico está em
crise [...] A mensagem bíblica tem indiscutível pertinência para o homem
latino-americano, mas sua proclamação não ocupa entre nós o lugar que
lhe corresponde”. Desde então, aconteceram mudanças surpreendentes no
povo evangélico em todo o continente. Por exemplo, sua participação na
política nacional em vários países. Em relação à pregação, no entanto,
persiste o generalizado problema da improvisação e da superficialidade. A
crise do púlpito é ao mesmo tempo uma causa e um sintoma da crise da
igreja. É causa porque não se pode esperar que sem o cultivo da Palavra a
igreja dê seus melhores frutos: a uma pregação pobre corresponde uma
vida eclesiástica igualmente pobre. É sintoma porque a matriz dos
pregadores é a igreja: as debilidades e carências que afetam a esta
necessariamente repercutem nos portadores de sua mensagem.
Devido
à relação descrita, a renovação da pregação é inseparável da renovação
da vida e da missão da igreja. O objetivo da pregação, como o da própria
igreja, é que o evangelho do reino penetre em todas as esferas da vida
humana, tanto em nível pessoal como comunitário, e que a glória de Deus
em Jesus Cristo se manifeste em todas as esferas da sociedade. A
renovação da vida e da missão da igreja será genuína caso contribua para
a realização desse objetivo, para o qual terá que começar pela
renovação do entendimento a que faz referência o apóstolo Paulo em
Romanos 12.2.
Só uma pregação que leve muito a sério a Palavra
de Deus e a relacione com a situação socioeconômica, cultural e política
que nos rodeia servirá para modelar uma igreja cujos membros amem a
Deus com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com todas
as forças, e ao próximo como a si mesmos. A pregação cumpre seu
propósito quando esconde o pregador atrás da cruz de Cristo e busca
diligentemente o crescimento na prática do amor a Deus e ao próximo em
todas as dimensões da vida daqueles que a escutam.
Traduzido por Wagner Guimarães.
Texto publicado originalmente na edição 364 da revista Ultimato.
• C. René Padilla
é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da
Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de
Missão Integral – O reino de Deus e a igreja. Acompanhe seu blog pessoal
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