A Comissão Especial de Juristas que elabora o anteprojeto do novo Código Penal aprovou nesta segunda-feira (28) a
descriminalização do uso de
drogas no país. Pelo texto, salvo prova em contrário, será presumido que se destina a uso pessoal uma quantidade de substância entorpecente encontrada com o usuário que represente consumo médio individual de cinco dias.
A quantificação específica, a depender também do grau lesivo da droga, dependerá ainda de regulamentação específica a ser elaborada pela autoridade administrativa de saúde, que hoje compete à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Identificar se a droga sob posse do usuário se destina a uso pessoal dependerá não apenas da quantidade, mas também da própria natureza da substância, ainda conforme a regulamentação. Para distinguir consumo pessoal e tráfico, outros aspectos deverão ser ainda examinados pelas autoridades, como a situação concreta da pessoa que estiver com a droga, sua conduta no momento e ainda circunstâncias sociais e pessoais em que encontre.
- Se a pessoa é surpreendida vendendo droga, não importa a quantidade: é tráfico – observou o procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves, que é o relator da Comissão de Juristas.
Pela legislação vigente, o usuário é aquela pessoa que compra a droga para consumo próprio, numa quantidade que cabe ao um juiz definir se caracteriza essa hipótese. Não há previsão sobre limite de quantidade de droga em termos de dias de consumo, havendo com isso confusão de interpretação entre os juízes.
Atualmente, são aplica
das penas que vão de advertência sobre os efeitos
das drogas a prestação de serviços à comunidade, além de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Tráfico
Para o tráfico, os juristas sugeriram tratamento pesado, mas menos rigoroso que o previsto na atual Lei de
Drogas (Lei 11.343, de 2006). Foi mantida a multa e a menor margem da pena de prisão, de cinco anos, mas o teto caiu de 15 para dez anos. O crime de tráfico abrange importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender e oferecer
drogas ilegais, ainda que gratuitamente. A mesma pena se estende ao cultivo, plantio ou colheita de matéria-prima para a fabricação de
drogas.
Quanto ao consumo, pela solução aprovada deixa de haver crime “se o agente adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo
drogas para consumo pessoal”. O mesmo acontecerá em relação a quem, também para consumo pessoal, semear cultivar ou colher plantas destina
das á preparação de
drogas para consumo pessoal.
Uso ostensivo
Os juristas decidiram, por outro lado, sugerir prisão de seis meses a um ano, além de multa, para punir o uso ostensivo de
drogas. Isso depois de intenso debate e a manifestação de um dos integrantes de que não gostaria de ser constrangido, ao lado de seu filho, por cena de consumo público de droga.
A punição será dirigida a quem usar ostensivamente substância entorpecente em locais públicos nas imediações
das escolas ou em outros locais de concentração de crianças e adolescentes. A medida também foi prevista para atingir a pessoa que consumir
drogas na presença de crianças, mesmo em ambiente privado.
Guerra às drogas
A proposta pela
descriminalização foi aprovada em clima de relativo entendimento. Diversos integrantes apontaram o fracasso da política de “guerra às
drogas”, idéia especialmente sustentada e apoiada pelos Estados Unidos e que contou com a adesão de diversos países que se notabilizaram como produtores de
drogas.
A defensora pública Juliana Garcia Belloque, que relatou o tema, disse que não inovou no assunto, adotando regra da legislação de Portugal. Lá foi descriminalizado porte que configure limite para dez dias de consumo, a mesma sugestão inicial da relatora. A comissão optou por reduzir a quantidade para limite de consumo para cinco dias.
De acordo como Juliana, aumentou a quantidade de prisão de usuários no Brasil mesmo depois da concessão de tratamento penal mais indulgente aos usuários. Desde 2006, conforme disse, os juízes passaram a enquadrar como traficantes pessoas que na realidade eram usuários. Segundo ela, houve desde então um aumento ao redor de 30% de traficantes na população carcerária, diante de um incremento de 110% de usuários.
Na contramão da opinião da maioria, o relator Luiz Carlos Gonçalves chegou a defender uma pena leve para o consumo, de até quinze dias, ou multa. Ele argumentou na linha de que “não há tráfico sem consumo”. Para o relator, qualquer pena, ainda que mínima, seria uma forma de “dialogar com o sistema”, que na sua avaliação tende a interpretar qualquer consumo como tráfico na ausência de uma previsão de punição.
Anteprojeto
Designada pelo presidente do Senado, José Sarney, a partir de sugestão do senador Pedro Taques (PDT-MT), a comissão ganhou prazo adicional de um mês para concluir seus trabalhos. O anteprojeto agora deverá ser entregue até 25 de junho. Depois disso, o texto deverá começar a tramitar como projeto de lei ordinária.