Fanáticos religiosos chamam ateus de fanáticos. Fanáticos ateus chamam
religiosos de fanáticos. Assim, abraçado a seu fanatismo, cada um
classifica o que está do “outro lado” como lhe convém, sem nunca
precisar exercitar, com humildade e dedicação, a nobre tarefa de buscar
entender o outro, antes de concordar ou discordar.
Claro que
entendo a discordância como parte da vida comunitária saudável ou, pelo
menos, assim deveria ser. Mas como discordar se, para começo de
conversa, eu nunca entendi bem o que quer que seja que meu oposto pensa
ou, ainda que absurdo, sem que eu mesmo compreenda bem onde deposito
minhas convicções e segurança?
Por isso os livros são
necessários. Eles expandem e questionam nossos horizontes, nos levam a
mundos novos ainda não explorados. Ainda assim, que livros ler? Ou com
que atitude embarco nessa aventura? Perguntas simples, mas que fazem
toda a diferença. Recordo o dia, ainda estudante universitário, líder em
meu grupo de ABU (Aliança Bíblica Universitária), quando comentei com
uma amiga, também estudante à época e hoje uma psicóloga renomada, que
eu buscava alguns livros para tentar entender melhor o nosso mundo
“pós-moderno”, um termo que era novidade para nós naquele momento. Sua
recomendação foi tão simples como preciosa: “busque ler livros que
apresentem várias perspectivas, e não apenas os que são escritos por
autores cristãos sobre o assunto”. Guardei essa sugestão como um pequeno
tesouro ao longo da minha vida.
Na verdade, fui descobrindo aos
poucos a imensa necessidade que temos, e o enorme benefício que
ganhamos, ao buscar ler de fontes variadas. Algo válido não apenas
quanto se trata da fé e suas vertentes doutrinárias, mas também quanto
aos diferentes olhares sobre o mundo e a história, com perspectivas
políticas e ideológicas distintas.
Queria ler sobre o ateísmo?
Deveria buscar um autor ateu. Sobre o liberalismo econômico? Buscaria
autores liberais. Sobre política à esquerda e à direita? Deveria
encontrar fontes consideradas progressistas e outras conservadoras. E
assim por diante. Não é difícil seguir esse fio da meada. Mas ainda
assim me surpreendo ao descobrir que não são muitos os que parecem
seguir esse tipo de critério.
>> 10 dicas para os pastores incentivarem a leitura em suas igrejas <<
Ler,
e ler muito, de maneira variada, aberta e humilde, permitindo que as
diferentes perspectivas te desafiem e te ajudem a entender melhor aquilo
em que você acredita de verdade. Talvez para revisar, se necessário, ou
ainda para aprofundar, com razoabilidade, as próprias convicções.
Recordo o desafio a que nos propomos, junto com estudantes
universitários cristãos da CBU (o equivalente a ABU no Uruguai), para
que lêssemos juntos o livro “Dios no es Bueno”, de Christopher Hitchens.
Se era para entender o ateísmo, popular na terra do mate amargo, que
pelo menos fôssemos às fontes. Eu ainda me lembro de como fazíamos graça
ao tirar fotos de nossas tertúlias de leitura e discussão, “vai que o
pastor vê essa foto e descobre o que andamos lendo!”.
E a Bíblia,
não seria melhor dedicar-nos a ela? Claro que podemos dizer que sim, é o
livro mais fascinante, em especial para aquele que já é cristão e crê
que nela encontra a revelação do caráter de Deus e de seus propósitos
para a vida. Ou ainda para aquele que, sem crer, se aproxima do livro
como um buscador curioso e honesto. Ainda assim, creio ser tão
importante avaliar a atitude e o método dessa aproximação das
Escrituras.
Ou seja - e aqui uma recomendação especial para os
que creem -, não a leio para reforçar a minha doutrina (no sentido do
conjunto de ensinamentos que já entendo e adoto em minha vida). Leio-a
com espírito aberto, para ser desafiado através dessa leitura, para ser
perturbado e transformado, também com cuidado para uma aproximação
adequada. Ela consiste em uma leitura comunitária, desde diferentes
contextos (lugares, culturas, épocas, indivíduos, gerações, grupos),
confiando na direção do Espírito que nos guia nessa leitura e resposta à
Palavra.
Primeiro, e mais importante, a nossa atitude. Talvez
alguns, digam “mas e a doutrina?”. Creio que sempre a entenderemos
melhor e de maneira mais adequada se ajustarmos nossa atitude ao abrir e
ler um livro. Ainda mais se esse livro é considerado, por aquele que
lê, como a Palavra do próprio Deus. Assim, se me permitem a sugestão,
primeiro e mais importante deve ser a atitude, depois sim chegaremos à
desejada e boa doutrina.
Claro que também devemos encontrar a
atitude adequada na leitura para qualquer outro tipo de literatura, seja
dos livros considerados cristãos (comentários bíblicos, obras sobre
espiritualidade e vida cristã, ou ainda enfocadas em tantos temas da
vida e missão; como os publicados pela ABU Editora, Ultimato, e tantas
outras casas publicadoras), seja quanto à leitura de livros sobre
qualquer tema ou ainda de outros gêneros, como história, biografias,
romances ou poesia. Nesse caso, vale perguntar a razão do porquê ler, o
que ganhamos com isso, ou ainda sobre qual seria a melhor atitude em
cada gênero de literatura.
Outra pergunta importante é se seria
possível esperar essa redescoberta da leitura em um tempo onde ela
parece tão desvalorizada. Peço perdão por não me aventurar a tentar
responde-las agora, ou pelo suspense ou frustração que involuntariamente
crio caso você tenha chegado até aqui. É que creio serem perguntas
pertinentes que merecem mais atenção e a dedicação de um outro, quem
sabe próximo, artigo. Enquanto esperamos, se me permitem a ousadia, por
que não abrimos um livro? Claro, com a atitude adequada. De minha parte,
espero que a leitura me desafie e me faça crescer.
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra
o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP),
serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as
Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e
também apoia a equipe da IFES América Latina.