“Qual o homem que não ama sua vida, procurando ser feliz todos os dias.” (Sl 34.13)
“Faz escuro, mas eu canto.” (Lutero)
No
coração do evangelho vemos a centralidade da alegria de Jesus na missão
de Deus. Um sentimento de alegria que gera festa: é o pastor que
reencontra a ovelha perdida; é a mulher que exulta quando a moeda
perdida é encontrada; é o pai que vai ao encontro do filho perdido para
homenageá-lo com a graça, em festa e grande alegria; alegrai-vos comigo,
diz Jesus a cada feito. “Viver e não ter a vergonha de ser feliz”
(Gonzaguinha). Poetas e cantores proclamam a alegria de viver.
Saint-Exupéry dizia: “O maior prazer é o prazer de conviver com os
outros”. A ética do cuidado começa e finaliza, portanto, na alegria do
bem, na felicidade e no prazer de participar do bem-estar de todos, na
denúncia de privilégios de poucos e exclusão de muitos.
O que se
deseja, no mais secreto do coração, como bem supremo é, de fato, ser
“feliz”? Jesus Ben Sirac, o autor do Eclesiástico, ensinou que, afinal
de contas, todos queremos ser felizes, e a felicidade é o grande fim em
si mesmo, o grande desejo humano. Assim também dizia o salmista: “Qual o
homem que não ama sua vida, procurando ser feliz todos os dia” (Sl
34.13).
Antes de contrair a doença mortal da ambição, quando o
homem (humano) se sentia feliz, tranquilo e seguro, sem ganância de
poder, sem pensar numa felicidade comercializável, que permite vender a
graça como uma mercadoria num balcão, o salmista já dizia: “Pela tarde
vem o pranto, e pela manhã gritos de alegria”. O mais alto ideal cristão
está aqui: felicidade, bem-aventurança eterna. E Deus cuida de seus
filhos e filhas por meio de nós. Sejamos felizes por isso.
A
felicidade não se compra, mas é sempre buscada. Como uma “ave
peregrina”, um passarinho que pousa às vezes em nossa janela, mas que
escapa no momento exato em que queremos domesticá-lo, como nos lembra um
ensinamento oriental. Damos muitas voltas pelo mundo: buscamos “ter”,
“saber” e “poder”. Contudo, por meio desses poderosos verbos auxiliares
da propriedade, da sabedoria corrompida, da potência, buscamos ser
felizes (L.C.Susin). No entanto, dificilmente alcançamos esse fim. A
manhã nunca chega por esses meios. Permanece a noite tenebrosa que
assustava Lutero. Os corais angelicais já devem começar seu encantamento
aqui na terra: “Faz escuro, mas eu canto”.
Concretamente, dá
pra ser feliz num mundo sem compaixão? A felicidade está essencialmente
ligada à alegria e ao prazer, ao sentimento jubiloso de gozo, à
plenitude passageira, mas profunda, em que o prazer faz vibrar o ser
humano na sensação positiva da vida em gozo pleno.
A felicidade
está ligada ao prazer de um sorriso, como o da criança que brinca feliz
com a areia sem pressentir que já é um esboço do que vai ser: “Homem
(que) pode ver um mundo num grão de areia e um céu numa flor silvestre,
segurar o infinito na palma da mão e a eternidade em uma hora” (William
Blake). Tantos conteúdos para a “alegria de viver”! A ética mais
rudimentar e mais sincera é a que envolve o prazer como forma de ser
feliz. Aí está a primeira liberdade e o primeiro amor à vida, a primeira
consciência da honestidade. Creio que Kant poderia ter dito isso, se
não disse, em sua ética exigente de sinceridade, de verdade contra a
hipocrisia ou a ambiguidade, da colocação do dever acima de tudo: é um
prazer ser honesto! É um prazer não compartilhar com a corrupção
reinante e não aceitar que um governante nos chame de “imbecis” e que
seus aliados políticos sejam inatacáveis quando distribuem esmolas para o
povo (Lula e Sarney).
Haverá outras formas de se expandir a
felicidade, como, por exemplo, a felicidade de se dedicar a uma causa de
justiça, de trabalhar em favor da cooperação e da solidariedade com os
que não têm nada, de aprender da gente do povo, que vive feliz em sua
sabedoria sem ganância, de fazer alguém feliz e até de sofrer pela gente
amada. Porém são como que degraus sobre a estrutura básica do prazer. A
primeira alegria é a de viver. O mais alto ideal ético, o de viver em
comunhão, não dispensa, mas exige o prazer. Jesus ensinou, e nós
devíamos assinar em baixo.
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. www.derv.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário
COMENTÁRIOS