Na ocasião, pude transmitir as seguintes reflexões, que, de modo geral, (não) respondem à pergunta: “o que condiciona o modo de agir dos policiais frente à criminalidade violenta no Brasil?”. Iniciei a “resposta” fazendo outra pergunta:
Qual a relação entre as intenções político-institucionais dos governos (ou dos governantes) e a atuação das tropas policiais?
Os governos, que comandam as polícias, têm intenções claras quanto ao modo de atuação das corporações policiais. Mesmo o silêncio (é preciso estar atento a ele) e a omissão frente a desmandos são orientações políticas adotadas. Sobretudo em tempos de crise institucional, onde o capital político do governante está em jogo, não é absurda a hipótese dos governos admitirem avanços autoritários das suas polícias, seja através de incentivos diretos ou indiretos.Esta permissividade geralmente elege demagogicamente um inimigo do Estado (o traficante, o menor infrator, o baderneiro, o criminoso etc), deslocando a responsabilidade por uma série de ausências e desmandos estatais para um ente que geralmente incorpora-se em uma parcela da população de classe social, cultura, sexo e características físicas bem definidas.
Os policiais “caem no conto do vigário”, são manipulados pelas intenções governamentais e portanto não têm responsabilidade pelo que fazem?
Ao ingressar numa instituição policial, o indivíduo se depara com a real possibilidade de utilizar-se da força contra outrem – inclusive a força letal. Este “desbloqueio” tem implicações para este sujeito, pois a esta possibilidade fundamental, complexa, da potencialidade do uso da força agrega-se toda a experiência particular do indivíduo e mais as condicionantes institucionais (da corporação policial) que serão apreendidas em sua vivência interna corporis.No âmbito da instituição policial, geralmente, no Brasil, alguns elementos influenciam o exercício do mandato policial, e seu maior ou menor alinhamento com as diretrizes governamentais:
- A insegurança jurídica dos policiais: através de mecanismos formais e informais os policiais são submetidos a punições e retaliações por desalinhamento do que sua chefia (em última instância, o governo) entender como adequado. Diz o Código Penal Militar:
“Art. 166. Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo:Além disso, são notáveis, embora silenciosos, os casos de sutis retaliações, como transferências injustificadas, atraso na concessão de promoções etc.
Pena - detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.”
- A formação do “guerreiro”: Ainda persistem nas escolas policiais de formação, uma confusão sobre o modo de resolução de problemas durante o exercício do policiamento. Se foram abertos espaços para disciplinas como “policiamento comunitário” e “direitos humanos”, estas iniciativas convivem (não sem prejuízo) com a eleição de um “inimigo” que justifique a lógica belicosa de um ambiente de guerra, com toda uma cultura estabelecida – desde a estética do homem de preto ao tipo de armamento a ser utilizado.
- A defasagem técnico-logística: Policiais precisam estar preparados para atirar, imobilizar, conter. Policiais precisam estar preparados para não atirar, não imobilizar e não conter. Para isso precisam de condicionamento técnico, exercícios repetitivos o suficiente para que garantam precisão cirúrgica na utilização do equipamento: que não pode faltar para o treinamento e aplicação da doutrina de uso progressivo da força.
- As incongruências burocráticas: Há elementos do ponto de vista da gestão do serviço policial que impedem a consecução dos objetivos institucionais (legais) teoricamente propostos para as polícias. A fratura do ciclo de polícia e certas carências tecnológicas, por exemplo, fazem com que as ações policiais tendam ao amadorismo e à ineficiência.
- A confusão na correção institucional: É preciso que as organizações policiais estejam livres de corrupções e semicorrupções. Iniciando dos escalões superiores, é preciso exigir lisura e correção. Permitir a prática de desvios é potencializar novas injustiças. É importante acentuar a necessidade de mecanismos externos de controle efetivos, pois geralmente as corregedorias internas pouco podem proporcionar de autolimpeza.
O policial é integrante do corpo social, e como tal, é influenciado pelos elementos que atingem todos os indivíduos, inclusive no que diz respeito às justificações da violência. Neste sentido, há a diferença clara entre o policial e os demais cidadãos: ele precisa modular estas influências culturais pois age em nome do Estado utilizando a força.
Um dos elementos notáveis em relação às influências da sociedade mais ampla no fazer policial é quanto aos desdobramentos que o “machismo nosso de cada dia” pode exercer sobre o fazer policial. Uma provocação: em que medida temos em nosso cotidiano um embate entre “machos policiais” e “machos envolvidos com organizações criminosas”?
Outro ponto: as mídias são influenciadoras significativas do modo de agir dos policiais. O privilégio que os grandes veículos costumam dar à ação reativa das polícias, fortalecendo a estética e a cultura do “policial guerreiro” favorecem e fortalecem as condições deste status.
Fonte: Abordagem Policial
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