“Então, lhe disse
Pilatos: Logo, tu és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso
nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele
que é da verdade ouve a minha voz. Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade?
Tendo dito isto, voltou aos judeus e lhes disse: Eu não acho nele crime algum”
(João 18.37-38).
A pergunta de Pilatos foi feita a Jesus,
durante o interrogatório que ao final levou à sua crucificação. O que nos
interessa no momento é o fato curioso e paradigmático que Pilatos não esperou
para receber uma resposta à sua própria pergunta, “o que é a verdade”. Mas uma
coisa fica clara: a busca da verdade sempre esteve presente nos grandes
momentos da história. Todavia, nossa geração ficará conhecida como aquela que
abandonou esta busca da verdade. Como Pilatos, faz a pergunta e volta as costas
para não ouvir a resposta.
Nossa geração está fortemente influenciada
por uma reação ao Racionalismo que marcou os séculos anteriores. As épocas
anteriores à nossa foram caracterizadas pela cosmovisão romântica e pelo
cientificismo materialista, bem como pelo marxismo, fascismo, positivismo e
existencialismo.
Tudo isto teve origem no Iluminismo,
movimento surgido no início do século XVIII, que era em vários aspectos uma
revolta contra o poder da religião institucionalizada e contra a religião em
geral. Predominou então o racionalismo e sua teoria que o conhecimento mais
fundamental é baseado na razão, e que a verdade só pode ser alcançada através
da análise racional, independente de dados empíricos, atitudes emotivas ou
dogmas. A razão tornou-se a medida de todas as coisas.
Nossa época tende a rejeitar este conceito
bem como a ideia de que existam verdades absolutas e fixas. Toda verdade é
relativa e depende do contexto social e cultural onde as pessoas vivem. Os
filósofos, estudiosos, teólogos, artistas, pensadores e autores famosos de hoje
tendem a rejeitar o ideal das gerações passadas de que a verdade pode ser
alcançada através da análise racional. Considera-se hoje que a promessa do
Iluminismo, de encontrar com base na razão uma resposta unificada para a
realidade, falhou completamente. Assim, abandonou-se a busca de verdades
absolutas e fixas, que caracterizou o período anterior e rejeitou-se igualmente
o conceito de dogmas e definições exatas. Cada pessoa analisa as coisas de
acordo com o que pensa e o que crê.
Nesta visão atual, se busca uma sociedade
pluralista, onde exista a convivência amigável entre visões diferentes e
opostas. Isso é chamado de pluralismo inclusivista. Espera-se que as
opiniões cedam espaço umas às outras, particularmente aos pontos-de-vista
marginalizados, aqueles que foram calados por gerações pelas vozes dominantes
da sociedade. Nessa sociedade pluralista e inclusivista, a opinião e as convicções
de todos têm de ser respeitadas, porque a opinião de um é tão verdadeira quanto
a opinião do outro. E já que não existem conceitos absolutos especialmente na
área da moral e da religião, não se pode tentar convencer outro a mudar de
religião ou de comportamento. Tornou-se politicamente incorreto criticar a
conduta moral de alguém.
Todavia, esta
desistência de se alcançar a verdade, em todas as áreas da vida, trouxe consigo
consequências visíveis em muitos dos campos do saber, da vida, do comportamento
e na educação.
Primeiro, criou um caos epistemológico. Não
se pode mais falar na possibilidade da compreensão verdadeira de textos antigos
e modernos. Se levada a sério, esta teoria significaria o fim da possibilidade
da transmissão de conceitos, ideias, e verdades de uma geração a outra, e mesmo
de uma pessoa à outra, através das palavras escritas. Pensem no que isto
significaria na área de educação.
Segundo,
o abandono da busca da verdade e a sua possibilidade, traz em seu bojo o
desespero existencial, sob a forma da incerteza da
verdade, da realidade e da própria existência, o que joga as pessoas numa
esquizofrenia prática, tendo por um lado de conviver com verdades absolutas no
dia a dia – tais como sinais de trânsito e normas da empresa – e o relativismo
absoluto que domina as demais áreas.
Terceiro, ao se perder a esperança de que
existam verdades absolutas, as expressões humanas artísticas, como a música, a
arte, a poesia, o cinema, o teatro, acabam por refletir este desespero
existencial, como se percebe claramente na obra de muitos artistas antenados
para o mundo de hoje. Alguns mais honestos conseguem perceber uma
inconsistência ética no seu comportamento. É comum vermos artistas negando a
verdade absoluta e, ao mesmo tempo, lutando pelos “direitos humanos” ou pelo
estabelecimento da “justiça”, especialmente nos países do terceiro mundo.
Quarto, com o abandono das verdades
absolutas, não há parâmetros objetivos a serem seguidos. Contudo, o ser humano
tem sempre que possuir um paradigma, porque ele é dependente de algo a que
seguir. O parâmetro passa ser o sentimento. Daí começou a surgir a ideologia do
“sentir-se bem”, o que inevitavelmente acaba por levar ao egoísmo, que busca
sua felicidade à custa do bem dos outros.
O grande desafio para a universidade é entender os tempos em que vivemos e fazer jus ao nome universidade, que originalmente designava o conceito de que existiam verdades absolutas que uniam e davam coerência à enorme variedade dos campos do conhecimento. No caso de universidades confessionais cristãs, lembremos que a visão cristã de mundo pretende oferecer este referencial unificador e balizador.
Fonte: Augustus Nicodemus
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