Num sábado desses eu estava sentado do lado de fora da quadra,
esperando algum dos times fazer o segundo gol pra eu poder voltar a
campo e mostrar todo o meu futebol arte, quando surgiu o assunto
“relacionamentos problemáticos” na conversa superficial de banco de
reservas com um daqueles amigos de futebol que você só conhece pelo
apelido, pela perna boa e não adiciona no Facebook. Papo vai, papo vem e
ele rasgou a superficialidade da conversa, me lançando no poço das
respostas não automáticas com a seguinte pergunta:
— Cara, te anima essa ideia de casamento?
Caro amigo superficial de futebol, você me fez pensar. Se eu perdi
gols depois disso, a culpa é toda sua (e daquele goleiro novo que pegou
tudo naquele dia).
A primeira coisa que me vem à cabeça quando penso em casamento é
aquele clichê de que “a matemática do amor é linda, pois é o único caso
onde 1 + 1 dá 1”. Mas logo em seguida eu penso no casamento dos meus
pais e tudo que me vem à cabeça é que a soma é irrelevante. O que mais
acontece é divisão.
Eu poderia gastar linhas aqui falando como o divórcio hoje em dia é
comum, o quanto acho que falta neurônio quando pessoas se casam por
impulsividade ou orgulho, ou o quanto falta empenho nos casais pra
superar as dificuldades, mas não é desse tipo de divisão que eu estou
falando. Falo aqui da divisão de bens. Falo da divisão de males. Falo da
divisão de alegria, de tristeza, de dinheiro, de dívidas. A divisão que
aprendi é a divisão de sonhos e frustrações, divisão de cama e de
pernilongos.
Há uns 30 e tantos anos atrás existia um muro que dividia a casa da
minha mãe da igreja do meu pai. Por cima deste muro eles se conheceram,
pouco tempo depois se amaram e anos depois se casaram. Dividiram o mesmo
teto no sobradinho dos sonhos deles, e depois dividiram o rodo pra
tirar a água das enchentes que transformaram o bairro num pesadelo.
Dividiram a responsabilidade de pegar os quatro filhos pequenos e ir
de mudança pro interior, e dividiram o amor entre eles de maneira que
nenhum se considera mais ou menos privilegiado (mais alimentado teve um,
mas isso é outra história). Não bastassem os quatro filhos, dividiram a
casa com um monte de sobrinhos e outros filhos por consideração. E
ainda por cima dividiam uma caixinha de Bis pra essa galera toda.
Dividiram as contas e os esforços vendendo calcinhas e sutiãs quando a
crise apertou e dividiram o dinheiro que às vezes sobrava com quem
estava precisando. Dividiram o tempo que podiam ficar juntos para se
dedicarem a completos desconhecidos. Dividiram a dor de perder pais e
irmãos e dividiram a alegria de casar filhos e ganhar netos.
A coisa mais normal em toda a minha vida foi ver meus pais separados.
Ele viajando a trabalho, ela trabalhando no escritório. Ele cuidando de
um coral de uma igreja, ela cuidando de trabalhos em outra igreja. Ele
ensinando flauta para crianças carentes, ela alimentando outras crianças
carentes na mesa de casa.
Independente de toda essa divisão, é a mesma cama que eles dividiam
toda noite (ou o mesmo sinal ruim da Tim quando ele tinha que dormir
fora da cidade).
Há pouco tempo atrás o casamento deles chegou naquele ponto em que a
morte pede licença para dividi-los por um tempinho, mas a aliança que
não sai do dedo da dela me mostra que eles ainda terão uma eternidade
inteira para dividirem alegrias infinitas junto com Deus.
Portanto,
caro amigo superficial de banco de reservas de sábado: Me amedronta a
ideia de casamento por não saber se eu conseguirei ser tão bom pra
maluca que aceitar se casar comigo como meus pais foram bons um para o
outro. Mas sim, me anima e muito a ideia de casamento, justamente porque
tenho um bom exemplo a seguir.
No fim das contas, tanto faz se 1+1 dá 1 ou 42. Enquanto continuar dividindo por 2, o amor nunca chega a zero.
• Thales Rios tem 28 anos, é designer gráfico, professor de EBD e tenta ser engraçado escrevendo para o blog Thales de Muleta.
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