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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Trote na PMERJ: recruta morre em “período de adaptação”

Treinamento no CFAP da PMERJ
Treinamento no CFAP da PMERJ – Foto: Divulgação
É preciso acabar com toda e qualquer “instrução” ou (de)formação policial que não esteja tecnicamente justificada como útil, alinhada com princípios pedagógicos, integrada aos mandamentos dos Direitos Humanos (sim, o policial é humano e não está “acima do tempo” e das dores).
O fato é que, infelizmente, faz parte da tradição de muitas organizações policiais brasileiras, principalmente em cursos de formação e cursos táticos/especiais policiais militares, que, para além da técnica, maus tratos, exageros e violências ocorram, sob o argumento de “adaptar” o aluno, tornar difícil a conquista da formatura e coisas do tipo. Falácias que apenas servem ao objetivo de alimentar certas intenções e condições psicológicas deturpadas de quem está à frente da tal “instrução”.
“Superar limites físicos e psicológicos? Isso é plenamente possível sem humilhações e degradações. Quem fizer ou disser o contrário está apenas querendo satisfazer sua própria sanha de ver o outro maltratado.”
A exacerbação da técnica na formação conduz à exacerbação da técnica na prestação do serviço policial – e agride o ser humano policial em sua identidade e dignidade. Superar limites físicos e psicológicos? Isso é plenamente possível sem humilhações e degradações. Quem fizer ou disser o contrário está apenas querendo satisfazer sua própria sanha de ver o outro maltratado. No Rio de Janeiro, o resultado de práticas desse tipo foi a morte de um aluno em “período de adaptação”:
O recruta da PM Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, teve morte cerebral decretada pelo Hospital Central da Polícia Militar, ontem à noite. Paulo ficou uma semana internado após passar mal em treinamento no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) da PM. O comandante do HCPM, coronel Armando Portocarrero, afirma que a causa da morte foi um derrame causado por uma série de fatores que incluem a temperatura, a prática de exercício físico e uma possível propensão genética. Um Inquérito Policial Militar (IPM) foi aberto para apurar se houve excessos. A família do ex-aluno espera que os oficiais responsáveis sejam punidos.
— Ele não teve insolação, nem mal súbito. Alguém tem que ser punido. Levaram nosso menino — afirmou Crislaine de Souza, prima da vítima.
De acordo com o coronel Portocarrero, o derrame e o quadro de aspiração de vômito ocorreram antes da chegada de Paulo ao hospital, na tarde de 12 de novembro, terça-feira da semana passada. Já no HCPM, Paulo perdeu os rins e teve insuficiência respiratória. Um exame feito pela PM, ontem, constatou que os órgãos afetados não voltariam ao funcionamento normal.
Ao longo da última semana, o EXTRA ouviu relatos de uma dezena de recrutas da PM da turma de Paulo, a 5ª Companhia Alfa. Os alunos contam que o treinamento de terça-feira foi uma “suga”, que leva o recruta ao limite físico. Segundo os relatos, quem não conseguia acompanhar a turma, era submetido a choque térmico com água gelada ou era obrigado a sentar no asfalto quente. No dia, a temperatura no CFAP, em Sulacap, chegou aos 42°C.
Nélio Monteiro Campos, comandante do CFAP, afirmou que, 33 dos 490 alunos da turma precisaram de algum tipo de atendimento médico. Desse total, 18 sofreram queimaduras nas nádegas ou nas mãos.
— O CFAP lamenta o que ocorreu. O Paulo é um filho da PM. O dia 12 foi atípico.
‘Foi desumano’, diz recruta
Um dos 490 recrutas da 5ª Companhia Alfa — grupo onde os alunos passaram mal no treinamento da última terça-feira — revelou uma rotina de excessos durante as instruções de cursos do CFAP. Segundo ele, um tenente da unidade teria escolhido aleatoriamente 50 alunos que estão iniciando o treinamento do CFAP.
Por volta de meio-dia, menos de uma hora depois do almoço, o oficial teria ordenado que eles fizessem muitas repetições de flexões, abdominais e polichinelos.
Os policiais ainda teriam sido obrigados a rolar e sentar no chão quente, num lugar conhecido como Chão de Pedra, que fica atrás do prédio onde acontecem as aulas teóricas do curso.
— Ele entrou nas salas dizendo que eles estavam gordos e precisavam emagrecer tudo em um dia, por isso iam ter que fazer muito exercício no calor. Foi desumano o que aconteceu — contou o aluno.
O soldado explicou que, por volta de 15h, Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, desmaiou. Segundo ele, o professor, pensando que o jovem estava fingindo, chegou a gritar: “Levanta daí e para de ser marica!”.
Segundo o recruta, o professor jogou água no aluno. Como o jovem não esboçou reação, um carro particular o socorreu e o levou para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Marechal Hermes.
— Lá, tudo é na base da vara. Geralmente, os cursos de formação têm rigidez, mas não dessa forma. Eles (os instrutores) extrapolam todos os limites.
Em vídeo ao qual o EXTRA teve acesso, um outro tenente grita e dá ordens a alunos numa espécie de favela cenográfica dentro do centro de treinamentos. No local, o oficial orienta os aspirantes e dá um tapa no rosto de um dos recrutas, que está fardado no momento em que é agredido.
Fonte: Jornal EXTRA

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