“O que você é?”
“Eu?! Eu sou engenheiro.”
Não foram
poucas as vezes que respondi dessa forma tal pergunta. Mas, você já
observou quão estranha é essa resposta? Uma frase altamente filosófica,
que questiona o mais profundo de nossa identidade, tão naturalmente
respondida com o que temos como profissão. Troque por médica, mecânico,
secretário, bibliotecária... não importa, nenhuma profissão é tão forte
ou importante que venha substituir quem nós realmente somos.
No
ambiente religioso cristão, entretanto, essa tensão é acrescentada de
outro fator: o “chamado”. Apesar de insistirmos em dizer que cremos no
“sacerdócio universal”, ou seja, que todos os crentes em Jesus são
sacerdotes do Senhor para uma humanidade distante do Pai, separamos os
ofícios entre os que têm um chamado: pastores, evangelistas e
missionários, e os demais, que, por não possuírem tal chamado, devem se
contentar com uma profissão “secular”. Assim, repetimos o erro católico
romano de separar cristãos em clero e leigos e dividimos nossa igreja
entre ordenados e membresia.
Entenda-me. Não estou negando que
Deus chame e separe alguns para ministérios especiais no Corpo de
Cristo, como bem ressaltou Paulo aos Efésios (4:11), mas a mesma
passagem diz que o desempenho do serviço cristão é tarefa de todos, e
não de apenas desses (Ef 4:12).
Então, todos trabalharão tempo
integral para servir a Igreja? Com certeza, não! A diversidade de dons
do Espírito Santo é um reflexo na Igreja da diversidade de dons e
talentos dados a todas as pessoas, em todos os lugares. Uns gostam de
lecionar, outros de criar engenhocas, outros de consertá-las. Enquanto
alguns gostam de cozinhar, outros preferem lavar as louças. A teologia
protestante enfatiza o trabalho diligente como um sinal da graça de
Deus, e não um castigo a ser tolerado, já que não recebemos o tal
chamado. Ver o trabalho de tal forma é o princípio da libertação de seu
jugo.
Quando Paulo orienta os servos (escravos) em sua Carta
aos Colossenses, ele ressalta que, apesar de estarem servindo sob
condições infinitamente piores que em um emprego comum dos dias de hoje,
eles deveriam ter em mente que não estavam servindo seus senhores, mas
ao próprio Senhor Jesus (Cl 3:22-25). A distinção entre trabalho secular
e sagrado está muito mais em nossas mentes e teologia do que no coração
de Jesus. Por isso, Paulo clama: “tudo o que fizerem, seja em palavra
ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele graças
a Deus Pai” (Cl 3:17).
Formei-me em engenharia há 25 anos e
por cerca de vinte exerci a profissão. Depois disso, dediquei-me
integralmente ao ministério pastoral, mas durante cerca de doze anos
dividi-me entre os dois ofícios. Das várias coisas que tenho aprendido
com as experiências dessa graça de Deus, posso dizer que não arriscaria
dizer que o ministério religioso é superior ao trabalho dito secular,
apesar de admitir tal tentação. Há lugares, pessoas e situações que
apenas o profissional cristão poderá estar, tocar e vivenciar. Lugares
onde ministros religiosos e missionários nunca pisarão os pés, mas que
servos sem títulos eclesiásticos poderão não só estar, mas terão a
oportunidade de ministrar aos perdidos mais perdidos.
Permita-se ser um profissional de Cristo. Seja qual for a profissão,
seja onde for o emprego, Deus o plantou aí para ser um sacerdote para os
demais, sal da terra e luz do mundo, para proclamar que só há um Senhor
sobre tudo e sobre todos, que morreu, ressuscitou, vive e voltará. Para
isso servimos, hoje e sempre.
• Luís Fernando Nacif Rocha é
Pastor auxiliar na Oitava Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte. É
mestre em Teologia Bíblica do NT pelo Alliance Theological Seminary,
EUA, e atua na área de missões, pequenos grupos e ensino.
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