Eram nove horas da noite de uma sexta-feira, talvez por isso ninguém
tenha me visto passar o crachá na saída daquele dia de trabalho. Dia que
seria meu último antes da licença-maternidade do meu primeiro filho.
Mal poderia imaginar que aquela passada de crachá era uma despedida – o
início dela. Algo me dizia que eu não voltaria, ou pelo menos não
voltaria a mesma.
Lembro como se fosse ontem que na manhã
daquele dia minha chefe me perguntou despretensiosamente, mas com muito
carinho, se eu achava que assim que eu tivesse meu filho eu iria querer
ser "só mãe". Seu tom de voz sugeria que ela sentiria minha falta se
essa fosse minha decisão. "Imagina!" - neguei veementemente - "Não
consigo me imaginar sem meu trabalho". Naquele momento não conseguia
mesmo.
Tanto que voltei a trabalhar depois de seis maravilhosos e
desesperadores meses de licença maternidade. Foram seis meses em casa
cheirando cangote de neném e leite azedo, de cabelo despenteado, coração
transbordando de amor e alma desarranjada. Para dizer a verdade, eu não
via a hora de voltar a seu "eu mesma". Nos primeiros dias de volta ao
trabalho, meus peitos empedrados não me deixavam esquecer da saudade
quase incontrolável daquele cheirinho gostoso de bebê e dedinhos mexendo
no meu cabelo enquanto me encarava com olhar de satisfação. Ao mesmo
tempo, tentava afogar com café a culpa de estar me sentindo tão aliviada
e até mesmo feliz de poder conversar com outros adultos, colocar uma
roupa bonita, esconder minhas olheiras e não estar mais cheirando azedo.
Eu queria mergulhar de cabeça novamente na sensação de segurança, valor
e autoestima que o ambiente controlado do meu trabalho me dava, mas meu
cansaço, falta de foco e coração latejando não deixavam. Tudo estava
diferente dentro de mim. E qual foi minha surpresa quando eu percebi que
não me encontrei novamente ali.
>>> Ser mãe é padecer no paraíso? <<<
Só
que toda vez que pensava em parar de trabalhar eu me relembrava dos
meses de licença maternidade, da sua solidão, da impotência, das longas
horas cheias de pequenas coisas do cotidiano que parecem não se juntar
em nada grandioso, da falta de me sentir produtiva. Já quando pensava em
continuar trabalhando me deparava com a insatisfação de não poder
passar mais de três horas por dia com meu filho e, pior, de estar
trocando o meu tempo com ele por reuniões improdutivas e tarefas que não
tinham mais o mesmo valor e propósito para mim. Não via esperança ou
solução mágica em nenhuma das alternativas.
Foi então que eu
percebi que a questão era menos se eu continuava trabalhando ou deixava
de trabalhar, mas em que base eu estava construindo minha identidade, o
que eu estava usando como combustível para minha sensação de valor.
Nossa sociedade nos incentiva a construir esse senso de valor na nossa
produtividade e alta performance. E aí trabalhamos como se não houvesse
mais amanhã. Como se não ter um emprego significasse não existir, não
ter segurança, não ter valor. Passamos a vida acumulando rótulos
profissionais e currículos para nos sentirmos importantes.
Foi
então que, em meio a esse dilema existencial me foi feita a pergunta que
mudaria para sempre minha perspectiva sobre trabalho: "Se dinheiro não
fosse o problema você pararia de trabalhar, continuaria trabalhando no
que você está fazendo hoje ou investiria esse dinheiro em outro
trabalho?".
>>> Sou mãe. E agora? <<<
Foi
então que eu percebi que não trabalhamos para ganhar a vida. A vida já
está ganha. Ela já nos é dada, de graça, todos os dias. Trabalhamos para
dar vida àquilo que o mundo precisa para ser um lugar mais harmonioso,
justo e bonito. E isso independe de dinheiro na conta ou não. As contas
pagas e o coração sorrindo devem sempre ser a consequência de um
trabalho bem-vivido, nunca a razão. Na verdade, ouso dizer que os
trabalhos mais bem-vividos podem até chegar a não receber nenhum centavo
em vida, mas como são valiosos. Pois não há trabalho maior que dar sua
vida para dar vida e criar pessoas generosas e amadas. Não há dinheiro
que pague o valor e trabalho dessas vidas.
É uma grande ilusão
achar que fomos feitos somente para usufruir e que o trabalho é um
somente meio de conseguir dinheiro para comprar aquilo que nos
propiciará momentos de prazer e uma vida tranquila. Mas e se, na
realidade, nós tivéssemos sido feitos para trabalhar? E se a nossa vida
tivesse sido projetada para que fôssemos férteis de pessoas e também de
ideias? E se parir essas ideias desse tanto trabalho quanto parir uma
pessoa? E se criar um projeto fosse feito para ser justamente tão
não-tranquilo como criar um filho? E se o trabalho fosse um meio de
termos momentos de prazer em meio a momentos de desprazer, enquanto
construímos algo significativo e valioso?
Meu valor não está no
meu trabalho, mas o meu trabalho tem valor, ganhe eu um tostão por ele
ou não. Depois de muito ponderar sobre essas questões a minha decisão
final foi de sair do mundo corporativo, mas nunca deixar de trabalhar.
Porque através do trabalho das minhas mãos, seja ele trocando as fraldas
dos meus filhos, seja em um projeto remunerado (e às vezes fazendo as
duas coisas ao mesmo tempo), posso tornar a Terra um pouco mais como o
céu. Lá onde não há ouro, lá onde está o meu tesouro. Enquanto não chego
lá, não me cansarei de trabalhar aqui.
• Luiza é
discípula de Jesus, casada com Paulo há 7 anos, mãe do Gabriel de 3
anos e do João de 1 ano (foto). É estrategista de conteúdo e
experiências digitais e depois que se tornou mãe trocou a carreira no
mundo corporativo pelo home office para poder acompanhar de perto o
crescimento e criação dos pequenos. Nesse meio tempo, criou o blog Mochilinha e Violão
onde compartilha seus aprendizados dessa escolha por caminhar mais
devagar e viver uma vida mais leve, criativa e autêntica ao lado dos
filhos e família.
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