Estamos vivendo em um momento que pode ser chamado de uberização da
sociedade. A palavra não é reconhecida como expressão válida da língua
portuguesa pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), mas
tem sido amplamente usada para descrever um novo conceito de fazer
negócios que conecta consumidores com produtores de bens ou prestadores
de serviços de forma mais rápida e sem intermediários. O termo é uma
alusão ao mais conhecido aplicativo para conectar pessoas a
proprietários de automóveis que oferecem transporte alternativo aos
convencionais. Apesar de ser o mais polêmico, o Uber não é o único
aplicativo do gênero e nem o transporte urbano é o único setor atingido
por essa transformação. Isso tem reflexos em diversas áreas
profissionais e é um caminho sem volta. As pessoas estão se aproximando
do que precisam por meio desses aplicativos sem os caminhos
convencionais.
Naturalmente isso tem reflexos na igreja e na
nossa fé. Talvez o fenômeno em si não seja novo. A sociedade já passou
por transformações semelhantes. Mesmo a igreja já passou por isso. Em
certo sentido, e guardada as devidas proporções, quando Martinho Lutero
desencadeou a Reforma Protestante – que esse ano completa 500 anos –,
ele abriu caminho para a leitura da Bíblia, a confissão de pecados, o
recebimento da graça divina, de certo modo, sem a mediação da
instituição religiosa que monopolizava o perdão.
Ironicamente, em
alguns setores do cenário evangélico brasileiro, vivemos um processo de
sacerdotatização da fé. Indivíduos são levados a crer que seu líder,
pastor, bispo ou apóstolo são os que ‘dão cobertura espiritual’ para o
crente e que o bem estar do crente depende do grau de espiritualidade de
seu líder. Sem essa cobertura o crente fica sujeito a ataques do
inimigo. Nos meios tradicionais essa sacerdotatização se expressa na
institucionalização das práticas da fé de modo que qualquer experiência
fora da prática daquela denominação ou comunidade é tida como herética.
Qualquer experiência que não expresse a essência doutrinária da igreja
deve ser repelida.
Isso tem levado a um abuso religioso
comparável ao que a igreja medieval fazia com os fiéis. Dizer nesses
casos que Jesus é o único mediador entre nós e o Pai soa heresia e
rebeldia contra o ‘servo ungido’ do Senhor ou contra a doutrina e
instituição eclesiástica. Nessas situações a uberização da fé é
bem vinda. Precisamos relembrar e reafirmar os principais postulados da
Reforma que rompe com a mediação da instituição religiosa e proclama a
mediação única de Jesus Cristo, o único que pode oferecer expiação, que
literalmente significa ‘cobertura’ espiritual para o crente.
É
preciso fazer valer a essência do evangelho e do reino de Deus. O
discípulo de Jesus vive em comunhão com Deus e com seu povo, porém, não
de forma opressora e que o afaste de Deus e da comunidade. Precisamos de
comunidades que exaltem a primazia de Cristo como nosso sumo sacerdote.
Pastor presbiteriano, doutor em Antigo Testamento e
diretor acadêmico da Faculdade Teológica Sul-Americana, em Londrina
(PR).
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