Para que formamos líderes? Acabo de preencher um formulário de
recomendação para uma organização evangélica que respeito muito. Para
minha surpresa, havia duas perguntas ao final acerca do suposto futuro
potencial do candidato para “impactar a igreja global e a sua missão”.
Desconcertado, hesitei em como responder. Não foi o exercício de “bola
de cristal” que mais me incomodou. Foram as possíveis premissas por trás
das perguntas que me fizeram duvidar dessa abordagem. Registro minhas
dúvidas e preocupações em algumas breves considerações abaixo. Pense
comigo.
Como meço impacto no reino de Deus?
Talvez
alguém imagine mencionar as pessoas convertidas, o número de
discípulos, a quantidade de leitores de um livro, a multidão alcançada
pela mensagem pregada na igreja ou através da web, etc. Ainda assim,
seria mesmo possível dizer que os números medem o impacto no Reino?
Às
vezes vemos alguém realizando um ministério como se deve, inclusive
podendo ser o melhor possível num determinado contexto. Mesmo assim
talvez não consiga ver aparentes bons resultados vindos de seu esforço.
Por outro lado, e isso é uma tragédia, é possível fazer algo de uma
maneira errada, inclusive biblicamente falando, e ainda assim ver
grandes números ou “resultados” desse tipo de trabalho.
Portanto,
o meu ponto é: os números (ou os resultados) não nos contam toda a
história. Temos de ser capazes de ler os números, interpretá-los, para
que não sejamos levados por uma ideologia dentro da ênfase sobre os
números. De certa forma, somos chamados a sermos fiéis, e não a sermos
"bem sucedidos", sem nem bem saber o que essa última expressão
significa.
Se não posso “medir” o impacto do trabalho de alguém
no reino, mais difícil ainda seria prever o potencial e o impacto futuro
da obra de alguém. De todo modo, preocupar-me com esse futuro traz suas
próprias armadilhas. Isso porque eu não invisto minha vida em alguém
para que ele ou ela venham a ser “grandes”, reconhecidos, mas para que
sejam fiéis e instrumentos preciosos nas mãos de Deus. Só isso. Tudo
isso.
É possível que estejamos estimulando motivações equivocadas?
Imagine
que estabeleçamos um programa de formação com o objetivo de preparar
“líderes de destaque” em qualquer contexto, seja nacional ou global. Que
tipo de mensagem eu passo aos jovens que estão se preparando para
servir melhor no Reino?
Meu ponto é que expressões como “líderes
de impacto”, “vozes significantes” e “pessoas de destaque” não são
expressões neutras em si. Elas são carregadas de conceitos e ideologias
que lhes são associadas no mundo em que vivemos. Além disso, essa
ideologia mundana não está só fora da igreja. Lamentavelmente, ela
também está bastante imiscuída nos corredores das estruturas
eclesiásticas onde nos congregamos e através das quais buscamos servir.
Negar isso seria ingenuidade e entregar-nos à vil mentalidade do mundo.
Assim,
cursos de formação de líderes em nosso contexto deveriam ter outro tipo
de ênfase. Que sejam líderes formados para servir. Se devem crescer nos
seus dons, ser mais eficientes, competentes e alcançar cada vez mais
pessoas através do ministério em que estão envolvidos? Claro que sim! Se
isso deve dar-se às custas de submeter-se às ideologias do poder, das
supostas “avaliações objetivas” de impacto, da busca desmedida por
reconhecimento público (leia-se, fama) e do perigo de serem descartados
quando não são mais “eficientes”? Claro que não!
Líderes servos
são, na maioria das vezes, anônimos. E é assim que eles devem continuar
sendo. Como lidar então com o tipo de tensão apresentada por essa
organização irmã na seleção de seus potenciais futuros líderes? Sugiro
que sejam líderes formados com um profundo senso de privilégio por serem
conscientes de que são recipientes da graça de Deus. Formados, não com a
motivação para tornar-se “grandes líderes”, mas com uma paixão por
servir onde quer que o Senhor os envie, em fidelidade humilde, e sem
ambição de destaque ou reconhecimento humano. No final das contas, um
“grande líder” é exatamente isso: alguém que chega a certas posições, ou
provocando determinado impacto, justamente porque não ambicionou isso
em primeiro lugar. Também inúmeras vezes nem chegaremos a ler as
biografias de muitos “grandes líderes”. Porque eles podem ter servido,
influenciado e promovido o reino de Deus em condições quase anônimas,
sem holofotes, sem qualquer destaque ou reconhecimento. A motivação? A
glória de Deus, o crescimento do outro e o avanço do reino. Foi nisso
que eles colocaram seus corações. Daí a pergunta necessária: onde está o
seu coração?
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra
o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP),
e serve como secretário regional associado para a América Latina da
Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE-IFES)
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