Tenho um coração pela África. Amei cada viagem que fiz a esse
hospitaleiro continente, um lugar com gente especial, que também
enfrenta temas complexos. Em poucos dias voltarei a visitá-lo, dessa vez
na Nigéria. Além de servir ao que talvez seja o maior movimento
estudantil cristão do mundo, NIFES (afiliado a IFES, movimento irmão da
ABU), terei o prazer de me encontrar com aqueles que supervisionam a
obra nos países de língua inglesa e portuguesa da região. Terei uma
oportunidade única de buscar entender melhor os desafios que muitos
países enfrentam; intolerância e violência infelizmente são parte dessas
agendas.
Uma tragédia recente compõe esse cenário. Dos até então
148 mortos no ataque à universidade de Garissa, no Quênia, 22 eram
parte do grupo local de FOCUS (também afiliado a IFES) que se reuniam em
oração no momento da tragédia. Ficou evidente que o lugar em que se
reuniam foi um dos primeiros alvos, e que houve em todo o episódio uma
certa triagem, quando ser cristão era uma desvantagem mortal.
Se a
fé é usada como uma “razão” para a violência, o que devemos fazer a
esse respeito? Podemos concordar com as análises que associam uma, a
religião, indelevelmente à outra, a violência? Como entender melhor e
que caminhos de solução, sem cair em tentações simplistas, podem ser
tentados adiante?
A religião é ambivalente. Sim, ela pode e tem
sido usada na história como uma poderosa força de identificação para
“justificar” a manifestação violenta de indivíduos, de grupos e mesmo de
estados. Ainda assim, me parece que não seria correto nem justo
associar religião com violência. Há fartos exemplos na história,
possivelmente bem mais do que os episódios de terrorismo ou de violência
organizada, que demostram o poder da fé: estimulando a resistência ao
autoritarismo, fortalecendo movimentos democráticos e de direitos
humanos ou ajudando a aliviar o sofrimento de muitos.
Digo
religião em um sentido bem mais amplo, e não explicitamente a minha
própria fé cristã, consciente de que para muitos é fácil identificar a
sua própria fé como positiva e pacífica, e a do outro como intolerante e
violenta. Na verdade, é bem mais difícil encontrar confissões de fé que
sejam radicalmente pacifistas, aquelas que não ficam só na teoria mas
que assim se revelam através da práxis de seus membros.
Voltando
ao tema da religião ser usada para justificar atos de crueldade. Apenas
comecei a ler trechos do que parece ser um excelente livro, “Rethinking
religion and world affairs”1. Meu interesse em agora voltar a lê-lo com
calma e detalhe se baseia na busca por entender algumas das posições aí
defendidas. Alguns dos autores, ainda que cuidadosos em não associar de
maneira definitiva a religião com o terrorismo ou com as guerras civis,
apresentam dados que confrontam minhas percepções prévias de que não
seria adequado associar a fé com a intolerância violenta.
Nunca
apreciei que se associasse, por exemplo, o terrorismo com a fé islâmica.
Sempre me pareceu injusto, perigoso e suscetível a compor uma agenda de
dominação ideológica ou religiosa por parte de outro grupo (muitas
vezes o meu próprio), os cristãos. Também não aprecio que se ignorem
outros fatores que se escondem por detrás da violência, sejam culturais
em um sentido mais amplo, étnicos, socioeconômicos, geográficos,
políticos, onde a luta pelo poder se conduz mais facilmente através de
máscaras religiosas que costumam ser úteis para esconder outras razões,
além de ser bem eficazes para motivar as massas.
Chegando à
leitura com essas minhas reservas, fui confrontado por estudos que
apontam a ideologia islâmica como um fator motivador da violência
contemporânea de maneira mais frequente que outras tradições religiosas.
Isso deveria nos levar, a todos, a algum tipo de reflexão. Há que se
buscar entender melhor as razões para isso, seja com humildade por
aqueles dentro da própria comunidade islâmica, seja com sensibilidade e
também sem arrogância por parte daqueles que não fazem parte dela.
Algumas
dessas conclusões (sobre associação entre o Islã e a violência) seriam
motivo para que eu estereotipe e seja intolerante ou até mesmo violento
com os adeptos da fé islâmica? Para mim a resposta é um óbvio não, ainda
mais porque quando se usa a religião como motivo para a agressividade,
sem importar de que lado você está, a partir de uma ou outra religião ou
ainda desde um secularismo ideológico, o resultado costuma ser pior ou
mais intratável que outros tipos de violência.
Cento e quarenta e
oito mortes violentas em uma universidade, sejam as vítimas cristãs,
muçulmanas, agnósticas ou ateias, desvelam uma tragédia inominável e
totalmente repudiável. Chorar juntos e ser solidários são respostas
iniciais importantes. Mas é preciso seguir além e buscar entender
conjunturas mais amplas, dialogar, construir ordens nacionais e
internacionais mais justas.
Quando regressar da visita solidária
a meus queridos irmãos na África espero voltar com ideias adicionais
para essa reflexão. Estou mais que disposto a aprender e a atesourar as
lições que eles estão aprendendo através desses tristes episódios. Quem
sabe, se aprendermos bem, podemos tentar evitar aqui entre nós a omissão
ou a incoerência em nossos próprios caminhos. Estereotipar ou
simplificar as causas dos nossos problemas não nos ajudará. Violência
não se resolverá com mais violência. A vida de todos, independentemente
de sua religião, idade, condição social ou identidade, é um dom precioso
que merece ser bem protegido. Cada um de nós deveria sempre, sem
duvidar, defender a vida.
Por Ricardo Wesley Morais Borges
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra
o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP),
e serve como secretário regional associado para a América Latina da
Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE-IFES)
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