Em meio a todas as pressões que sofremos, como podemos não somente vencer o desânimo, mas também manter o frescor espiritual?
Não tenho nenhuma passagem das Escrituras para oferecer, mas
gostaria de falar por meio de minha experiência e também das Escrituras.
Em geral, eu gostaria de dizer que acredito piamente na importância da
disciplina. Acredito que a raiz da estagnação muitas vezes seja a falta
de disciplina.
Falemos sobre três tipos de disciplina. Vou chamar a primeira de
disciplina do descanso. Somos criaturas extremamente psicossomáticas. Na
verdade, somos criaturas pneumato-psicossomáticas, porque
somos corpo, mente e espírito. Não é fácil entendermos a inter-relação
entre estes três elementos, mas sabemos que a condição de um afeta os
outros. Especialmente, a condição de nosso corpo afeta nossa vida
espiritual. Às vezes, pessoas com um problema espiritual me procuram, e
sei que a solução para seu problema espiritual é tirar uma semana de
férias. Quando estamos cansados ou doentes, não temos vontade de ler as
Escrituras, não temos vontade de orar e não temos vontade de dar
testemunho de Jesus Cristo. Mas, quando nos sentimos bem fisicamente,
estas coisas são fáceis. Portanto, aqui estão alguns aspectos da
disciplina do descanso.
Primeiro, a necessidade de tirar um tempo para si mesmo.
Alguns líderes cristãos são trabalhadores compulsivos, excessivamente
meticulosos e acham que há algum problema se não estiverem trabalhando
de manhã, à tarde e à noite. Alegam que Jesus é seu exemplo, dizendo que
ele estava à disposição de qualquer pessoa a qualquer momento, mas o
conhecimento deles da Bíblia deixa muito a desejar. Jesus não estava à
disposição o tempo todo. O texto que eu gostaria de oferecer aos
trabalhadores compulsivos é Marcos 6.45: “Logo em seguida, Jesus
insistiu com os discípulos para que entrassem no barco e fossem adiante
dele para Betsaida, enquanto ele despedia a multidão”. Ele despediu a
multidão, porque queria ir embora, descansar e orar, por isso não
devemos nos sentir culpados se quisermos ter um período de descanso.
Eu mesmo sou muito grato pela sesta. Eu não conseguiria me levantar
de manhã se não fosse a sesta que tiro à tarde. Lembro-me muito bem de
minha primeira visita à América Latina. Havia viajado por todo o
continente e iria embora da Argentina. Era minha última noite em Buenos
Aires e alguém me perguntou na reunião pública se eu havia aprendido
alguma coisa na América Latina. Pude responder de imediato que havia
aprendido três lições valiosas. A primeira era o grande benefício da
sesta; a segunda era arrepender-me particularmente do vício inglês da
pontualidade e a terceira era a liberdade de cumprimentar a todos com um
beijo. Acrescentei que teria de esquecer duas dessas lições antes de
voltar para Londres. Deixei que eles adivinhassem quais seriam, mas
vocês vão dizer que foi com a sesta que continuei. Portanto, precisamos
do sono adequado, e, sem dúvida, nossa necessidade varia de acordo com
nosso temperamento. Também precisamos tirar um tempo para descansar
durante o dia, como também à noite.
[…]
O segundo item que vem depois do descanso são os passatempos. Quando
somos jovens, nosso passatempo, muitas vezes, é o esporte, e isso é
excelente para dar-nos uma oportunidade de fazer exercícios com nossos
amigos. Mas todo cristão deveria ter um passatempo, mesmo quando se
sente muito velho para praticar esportes. Deveríamos ter interesse por
alguma ramificação da história natural, pois os cristãos evangélicos têm
uma boa doutrina da redenção e uma péssima doutrina da criação.
Não tenho vergonha de sugerir que vocês observem os pássaros. Quem
faz isso raramente tem um colapso nervoso. Esta atividade leva-nos para o
ar livre e faz com que pratiquemos exercícios. Leva-nos para a solitude
ou quase isso com um amigo, longe da agitação da cidade para o sossego
do campo. Não consigo descrever a magia da manhã após o nascer do Sol,
especialmente na África ou na Ásia, quando eu saía para o meio do mato
ou arrozal a fim de desfrutar a vista, os sons e as fragrâncias da
natureza. Além do mais, isso mantém a mente ocupada, desligando-a das
pressões do trabalho ou do ministério. Também permite que meditemos
sobre as complexidades e as belezas da criação de Deus. Se possível,
nossos passatempos deveriam levar-nos para o ar livre.
Um terceiro aspecto do descanso é o tempo com a família e os amigos.
Em nosso círculo familiar, no qual sabemos que somos amados e aceitos,
podemos relaxar, mas todos precisamos de amigos fora do círculo familiar
também. Sobretudo, precisamos de amigos se formos solteiros, e é bom
orar pelo que os antigos escritores chamavam de “amigo da alma”, alguém
com quem podemos compartilhar profundamente nossas experiências
espirituais. Fico me perguntando se valorizamos o suficiente a boa
dádiva de Deus, que é a amizade.
Vou testar o conhecimento de vocês das Escrituras. Vou citar um
versículo e quero que vocês o completem para mim. Foi escrito por Paulo
em 2 Coríntios 7.5-6: “Pois, quando chegamos à Macedônia, não tivemos
nenhum descanso, mas fomos atribulados de toda forma: conflitos
externos, temores internos. Deus, porém, que consola os abatidos,
consolou-nos com…” o quê? Como Deus nos consola quando estamos à beira
de um colapso?
Agora, vou lhes dizer como os cristãos superespirituais completariam o
versículo. Eles escreveriam: “Deus consolou-nos com a certeza de seu
amor”, ou: “Deus consolou-nos com a presença de Jesus”. Mas não é assim
que Paulo continua. Ele nos consolou “com a chegada de Tito”, com a
chegada de um amigo próximo e com a notícia que ele trazia. Deus usa
essa mesma necessidade humana de amizade para consolar-nos.
Deixe-me dar outro exemplo de Paulo. Este está no final de sua
segunda carta a Timóteo. Ao que parece, Paulo estava, nesse momento em
uma prisão. Muitos acham que era a prisão Mamertina, em Roma, que não
tinha janelas, mas apenas um círculo no teto por onde entravam
ventilação e luz. Paulo não escaparia dessa prisão, a não ser que fosse
por meio da execução. Ele escreveu: “Combati o bom combate, terminei a
corrida, guardei a fé” (4.7). Aqui está Paulo no auge de sua maturidade,
ao final da vida, e, contudo, estava sozinho. Era um grande e maduro
cristão, mas estava sozinho. Ele escreve sobre a presença do Senhor em 2
Timóteo 4.17: “Mas o Senhor permaneceu ao meu lado e me deu forças”, e
escreve sobre a expectativa da segunda vinda de Jesus, mas nada disso
preencheu a solidão que ele sentia.
Então ele escreve para Timóteo, no versículo 9: “Procure vir logo ao
meu encontro”, e no versículo 21: “Procure vir antes do inverno”. Além
disso, Paulo lhe pede que traga a capa que ele havia deixado para trás,
porque estava com frio, e os livros e os pergaminhos, quaisquer que
fossem. Portanto, Paulo era um grande cristão, mas uma pessoa muito
humana e não tinha medo de admitir sua necessidade de ter amigos.
Assim, há três reflexões para vocês sobre a disciplina do descanso e
do relaxamento. Há a necessidade de tirarmos um tempo para descansar, a
necessidade de termos passatempos ou praticarmos esportes e a
necessidade de termos uma família e amigos. Estas são necessidades
humanas. Nunca tenhamos vergonha de admitir que as temos.
*Texto retirado de Desafios da Liderança Cristã, John Stott
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