
Sabemos
que existem três dimensões de relacionamento que constituem e
fundamentam nossa existência – Deus, o próximo e nós mesmos. Jesus
resumiu os mandamentos em um só: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e
[…] amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12.30-31). Este grande
mandamento integra esta realidade tridimensional da existência humana.
Encontrar o caminho de volta para Deus, para mim mesmo e para o meu
próximo é a grande aventura humana e a experiência de redenção. Integrar
estas dimensões de relacionamento nos conduz à liberdade e à unidade da
pessoa. Quero sugerir três princípios que podem nos ajudar a integrar
estas dimensões, tantas vezes fragmentadas.
O primeiro
princípio é o da revelação. A fé cristã nasce da revelação de Deus a
nós. Não se trata de uma autodescoberta. Ao se revelar em Cristo,
encontramos Deus nascendo, vivendo, morrendo e ressuscitando por nós. A
graça nos é revelada e nos é dada. A fé é um presente de Deus para nós,
não uma conquista nossa. O conhecimento de Deus, do próximo e de nós
mesmos não tem seu princípio em nós, mas em Deus. Diante da beleza
inefável e amorosa de Deus em sua identificação conosco por meio de
Cristo, somos atraídos por seu amor e nos curvamos diante de seu poder e
glória. Somos convertidos a ele. O nosso egoísmo é definitivamente
vencido, a nossa rejeição e o nosso medo do outro são superados pela
graça divina, que nos liberta e transforma. Por meio da revelação de
Deus a nós, sua graça nos acolhe e infunde em nós o mesmo amor com que o
Filho unigênito é eternamente amado pelo Pai.
O
segundo princípio é o do afeto. Deus se revela a nós como um grande e
poderoso Deus. Temê-lo é uma atitude natural e necessária. Mas ele
também se revela como um Deus cheio de misericórdia, amor e compaixão.
Amá-lo e nos abrir para ele é também uma resposta natural e necessária.
Esta tensão entre o temor e o amor cria em nós o que chamamos de
reverência – distância e proximidade, respeito e intimidade. Porém, se o
temor se transforma em medo, nos afastamos e nos escondemos. Mas quando
o temor nos atrai a uma devoção reverente e amorosa, nos abrimos para
Deus, para o próximo e para nós mesmos. Surge um novo afeto, um desejo
que nos atrai para Deus, nos aproxima do outro e nos leva a olhar com
compaixão para nós. Nasce a comunhão cristã.
O
terceiro princípio é o da disciplina espiritual. A prática das
disciplinas espirituais é o processo por meio do qual readquirimos a
autoridade sobre nós mesmos a partir do fortalecimento das convicções
(revelação), do bom uso da razão e da resistência às paixões e seduções
que há no mundo. O domínio próprio é uma das virtudes que mais desafiam o
cristão moderno. Perdemos a integridade porque nosso corpo, nossas
emoções, razão, vontade e sexualidade funcionam sem harmonia alguma. O
pecado desestrutura e desorganiza a vida humana. Já as disciplinas
espirituais da meditação bíblica e da oração, da quietude e do silêncio,
da confissão e da adoração pública, do exercício zeloso dos deveres
cristãos e do trabalho para o bem comum reordenam nossa vida interior,
integrando as dimensões fundamentais do grande mandamento.
A
unidade interior – Deus, o próximo e nós, uma vez integrados pela graça
por meio da revelação, dos afetos redimidos e das disciplinas
espirituais – nos conduz a uma nova liberdade, fruto da harmonia e da
paz que nos torna íntegros. Alcançar esta liberdade é a vocação e o
chamado de todo cristão: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou
[…]” (Gl 5.1).
A meditação nas Escrituras, que nos
revela Deus na pessoa de seu Filho encarnado, a vida de oração, que nos
abre para Deus e para nós mesmos, e a comunhão fraterna com o povo de
Deus, que, gradualmente, quebra o gelo que o medo criou em nós, nos
levam a viver, integralmente, o grande mandamento do amor.
Ricardo Barbosa de Sousa
é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro
Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de, entre outros, A Espiritualidade, O Evangelho e a Igreja.
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