A Missiologia é uma área de estudo da Teologia relativamente recente,
com origem na primeira metade do século XX. Surgiu como demanda
teológica das discussões sobre estratégias da evangelização, realizadas
pela Conferência de Evangelização em Edimburgo (1910). O intenso esforço
missionário protestante dos séculos XIX e XX (chamado de “O Grande
Século das Missões”), os problemas culturais e sociopolíticos (apontados
pelo antigo Terceiro Mundo em relação ao missionarismo moderno), as
guerras e a condição humana no Ocidente, etc. foram situações que
pediram reflexão teológica das missões em geral, envolvidas diretamente
com as questões dos novos contextos. A Missiologia aparece como um dos
resultados da Teologia no esforço de corresponder a tais problemas.
Das
estratégias de evangelização às discussões da primeira metade do séc.
XX, houve uma convergência para a busca de entendimento da natureza
missionária da Igreja , as implicações sociais da evangelização e sua
contextualização. Áreas do conhecimento científico, como a Sociologia,
Antropologia Cultural, Linguística e outras, serviram de instrumentais
teóricos e metodológicos para o estudo da Missiologia. A América Latina,
por ter sido por muito tempo campo do missionarismo protestante
moderno, desde meados do século passado, tem realizado esforços próprios
de pensar a missão da Igreja a partir de seu próprio contexto, gerando
no seio evangélico mais do que uma missiologia, e, sim, uma Teologia de
natureza missionária, com ênfase na contextualização de seu conteúdo e
método, o que chamamos de teologia evangélica latino-americana.
A Reforma Protestante como Prática Missional Integral e Libertadora
A
Reforma Protestante do séc. XVI foi acusada de não envolver a
evangelização dos povos não cristãos, principalmente aqueles do chamado
“Novo Mundo”, para onde foram os Jesuítas e outras ordens monásticas
levar o cristianismo católico. Isto, de fato, ocorreu, e, entre
justificativas teológicas, principalmente aquelas orientadas pelas
ideias da eleição e da predestinação, estavam a necessidade de
concentração de esforços para o estabelecimento do movimento de Reforma
na Europa. Outra razão foi a não superação da ideia de cristandade pelo
movimento protestante inicial e a manutenção da relação entre Igreja e
Estado, tão criticada pelos anabatistas, que levou a estabelecer
inicialmente o protestantismo somente em lugares em que os governantes
se tornavam protestantes.
Se considerarmos a evangelização em
seu sentido restrito, de proclamação oral do evangelho visando a
conversão de pessoas para o cristianismo, certamente concluiremos que a
Reforma Protestante teve pouco envolvimento evangelizador. Mas, sob o
ponto de vista de uma nova evangelização, em seu sentido lato,
abrangente, de transformação da vida e da realidade sócio-histórica, a
partir do encontro com a graça de Jesus Cristo por meio das Escrituras,
verificaremos que o movimento protestante, desde suas origens,
mostrou-se caracteristicamente missional. Foi justamente no espírito de
missão que a Reforma Protestante se deu. Por outro lado, fica o
entendimento de que ações realmente missionárias provocam profundas
transformações, verdadeiras reformas, em todo o contexto em que elas são
realizadas.
A Europa da época dos reformadores era organizada na
forma de cristandade, o que não significa que todas as pessoas eram de
fato cristãs. A Reforma não somente contribuiu para colocar a Bíblia nas
mãos do povo, mas estimulou seu livre estudo, ensinando que o Espírito
Santo ilumina a todos para essa tarefa, indistintamente. O culto foi
descentralizado e ganhou novos significados, com ênfase nas Escrituras,
no ensino e na pregação. A salvação pela graça em Jesus Cristo foi a
descoberta mais libertadora dos reformadores. Foi a verdade das verdades
no movimento protestante, suficiente para desmantelar o clericalismo
que prevaleceu na Igreja medieval. A corrupção teve no sistema de
indulgências um terreno fértil para se propagar; por meio da dominação
política e social da Igreja que se autocompreendia como detentora do
poder de salvação.
A salvação pela graça de Jesus Cristo foi a
verdade mais missional e libertadora, aplicada pela Reforma Protestante
àquela situação religiosa e sociopolítica da Europa medieval. A
libertação, sob tais bases teológicas, não se ateve somente às questões
religiosas, mas foi também política e social, a ponto de ser considerada
uma das forças da mudança cultural que ocorreu na Europa e originadora
da modernidade.
Conclusão
A
Missiologia, contemporânea, possui como uma de suas tarefas mais
urgentes, recuperar a importância da Reforma Protestante, a partir dos
novos contextos sócio-históricos e culturais latino-americanos, visando a
sua necessidade de transformação. É preciso, entretanto, não somente de
um círculo de interpretação adotado pela Missiologia latino-americana,
mas da condição de Ecclesia Reformata et Semper Reformanda est, lema e
propósito originário da Reforma, de suspeitar e não reproduzir os
aspectos antitestemunhais do evangelho do Reino que se deram no incurso
do movimento de Reforma e no posterior desenvolvimento do
protestantismo. No entanto, como orientação missional, o caráter
amplamente libertador da Reforma, a tornou fundante, não somente do
protestantismo enquanto vertente cristã, mas da própria missão
protestante que, em função de tais bases históricas e teológicas já
apontadas, exige ser libertadora e integral, não menos do que isto.
• Regina Fernandes Sanches é mestre em teologia e práxis, especialista em história e cultura Afro-brasileira e atuante na educação teológica desde 1995.
Nota:
Texto escrito a partir da participação da autora em “Diálogos na Web
500 Anos Reforma Protestante”, uma iniciativa da Aliança Evangélica.
Publicado originalmente pela Aliança Evangélica e também graças à parceria entre Aliança Evangélica, Ultimato e Basileia.
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