De fato, o mundo está repleto de beleza, bem e amor. Ao longo da história, cientistas, poetas e artistas de cada cultura e civilização têm demonstrado efetivamente tais realidades, de tal forma que não restam dúvidas de que esses bens são qualidades inerentes à nossa existência. No entanto, qual é sua fonte?
Se, por um lado, o teísta deve lidar com o problema do mal, não restam dúvidas de que o ateu, em contrapartida, deve lidar com o problema do bem. Assim como o ateu indaga: “Se Deus existe, por que existe tanto mal?”, o teísta pode replicar: “Se Deus não existe, por que existe tanto bem?”.
Para responder a isto, o crítico frequentemente apresenta uma explicação reducionista insuficiente baseada em um tipo de darwinismo metafísico[1]. Para explicar esta insuficiência, o filósofo da ciência ateu, Michael Ruse, escreve:
“O conceito do evolucionista moderno […] é que os humanos têm consciência de moralidade […] porque ela é de valor biológico. A moralidade é uma adaptação biológica tanto quanto as mãos, os pés e os dentes… Considerada um conjunto de afirmações racionalmente justificáveis sobre algo objetivo, a ética é ilusória. Acho interessante notar que, quando alguém diz ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’, as pessoas fazem uma referência a algo que está acima e além de si mesmas […] Todavia, […] tal referência não possui qualquer fundamento. A moralidade é simplesmente uma ajuda à sobrevivência e à reprodução […] e qualquer significado mais profundo é ilusório[2]”.Como acertadamente declara Ruse, em um universo amoral, sem Deus, bem e mal não passam de termos vazios de significado. Nesse contexto, as ações de Madre Teresa de Calcutá são tão irrelevantes e neutras quanto as de Adolf Hitler. Em uma cosmovisão ateísta, não se pode afirmar que a lei da gravidade é malévola por fazer com que aviões caiam ou bondosa por manter prédios em seus devidos lugares. Tudo que existe na natureza simplesmente é como é. Como afirma o festejado ateu de Oxford, Richard Dawkins:
“Os teólogos preocupam-se com o ‘problema do mal’ e um ‘problema do sofrimento’ que lhe é relacionado. […] se o universo fosse constituído apenas por elétrons e genes egoístas, tragédias sem sentido […] seriam exatamente o que esperaríamos, junto com uma boa sorte igualmente destituída de significado. Este universo não teria intenções boas ou más. Não manifestaria qualquer tipo de intenção. Em um universo de forças físicas e replicação genética cegas, algumas pessoas serão machucadas, outras pessoas terão sorte, você não achará qualquer sentido nele, nem qualquer tipo de justiça. O universo que observamos tem precisamente as propriedades que deveríamos esperar se, no fundo, não há projeto, propósito, bem ou mal, nada a não ser uma indiferença cega, impiedosa.”[3]Como demonstra Dawkins, a verdade nua e crua é que o mal e o bem, na cosmovisão ateísta, não devem ser um problema, já que são uma ilusão. Tudo se reduz a sorte. O universo simplesmente funciona assim. Tudo não passa de uma “indiferença cega, impiedosa”. Problema resolvido. Eis, então, a solução: encarar a realidade com um racionalismo frio e neutro, parando de choramingar por retidão ao acaso. Tornemo-nos todos Srs. Spocks modernos, imunes ao sofrimento e à beleza! Quem, no entanto, consegue viver de maneira tão cínica? Quem conseguiria viver em um mundo onde as ações de Madre Teresa são tão neutras quanto as de Hitler? A resposta é óbvia: nenhum ser humano em sã consciência, em plenas faculdades mentais. Sabemos que viver assim é um absurdo justamente porque sabemos que o bem realmente existe.[4] Sabemos que o trabalho de inúmeras pessoas que contribuem para um mundo melhor lutando pela causa do amor ao próximo, além de ser extremamente nobre, constitui um dever moral.
O que dizer de William Wilberforce, Martin Luther King, Oskar Schindler, Dietrich Bonhoeffer, Desmond Tutu, Desmond Doss e tantos outros que impactaram o mundo positivamente com suas vidas em maior ou menor escala? Fecharemos de fato nossos olhos para a realidade do bem e do amor? Por mais que o mal mostre suas garras de maneira terrível neste mundo, também é verdade que o bem e o amor sobejam.
Sempre iremos à procura de sentido e propósito, mesmo que isso contradiga nossa cosmovisão[5]. Em algum momento, sempre iremos recorrer a um referencial de perfeição moral que está além de nós mesmos a fim de constatarmos que há algo de errado no mundo e que há também algo de muito belo e bom nele. Esse padrão moral que reconhecemos e nos faz concluir que o bem e o mal, o certo e o errado, de fato existem, transcende o mundo natural e nos aponta para Deus.[6]
C. S. Lewis, que foi ateu por muito tempo antes de se converter ao cristianismo, explica isto com muita propriedade:
“Meu argumento contra Deus era o de que o universo parecia injusto e cruel. No entanto, de onde eu tirara essa ideia de justo e injusto? Um homem não diz que uma linha é torta se não souber o que é uma linha reta. Com o que eu comparava o universo quando o chamava de injusto? […] Um homem sente o corpo molhado quando entra na água porque não é um animal aquático; um peixe não se sente assim. É claro que eu poderia ter desistido da minha ideia de justiça dizendo que ela não passava de uma ideia particular minha. Se procedesse assim, porém, meu argumento contra Deus também desmoronaria – pois depende da premissa de que o mundo é realmente injusto, e não de que simplesmente não agrada aos meus caprichos pessoais. Assim, no próprio ato de tentar provar que Deus não existe – ou, por outra, que a realidade como um todo não tem sentido –, vi-me forçado a admitir que uma parte da realidade – a saber, minha ideia de justiça – tem sentido, sim. Ou seja, o ateísmo é uma solução simplista. Se o universo inteiro não tivesse sentido, nunca perceberíamos que ele não tem sentido – do mesmo modo que, se não existisse luz no universo e as criaturas não tivessem olhos, nunca nos saberíamos imersos na escuridão. A própria palavra escuridão não teria significado.” (Cf. LEWIS, C. S., Cristianismo puro e simples, São Paulo: Martins Fontes, pp. 51-52).Portanto, a não ser que se adote uma postura cínica, afirmando que o bem e o mal são uma ilusão, o problema do bem permanece sendo um grande desafio aos críticos: se Deus não existe, por que existe tanto bem?
Jonathan Silveira é graduado em Direito pela Universidade São Francisco e mestre em Teologia pelo programa Master of Divinity da Escola de Pastores da Primeira Igreja Batista de Atibaia. É membro na Igreja Batista da Palavra, em São Paulo, trabalha na área de produção editorial e marketing em Edições Vida Nova e é fundador e editor do site Tuporém.
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