No mesmo dia em que o convite para
contribuir com este livro chegou à minha caixa de mensagens, um jornal
de Sydney reportava uma campanha online para fazer fabricantes de
brinquedos e varejistas australianos pararem de marcar os produtos como
sendo para meninas ou meninos. Eles queriam que os brinquedos fossem
agrupados por temas, não por “estereótipos de gêneros”.
Em certo aspecto, isso faz sentido.
Muitos meninos gostam de brincar com bonecas e de cozinhar; e meninas
(como eu) gostam de aeromodelos e bastões de críquete. Mas o objetivo
dos ativistas não é apenas a remoção dos estereótipos de gênero. Eles
querem que o gênero deixe de ser uma parte importante do que uma criança
é – de quem nós somos. Eles querem um mundo em que a identidade de uma
pessoa não seja definida pelo primeiro rótulo que recebemos ao nascer:
“É uma menina!” ou “É um menino!”
Eles não estão sozinhos nisso. O
Facebook parou de oferecer a opção de apenas dois gêneros para perfis de
usuários. Até o presente momento, ele oferece cinquenta e seis
diferentes identidades de gênero.
Estes são apenas dois exemplos de uma
tendência crescente que vê o gênero como uma construção social: um
fenômeno que é produto de forças sociais e da linguagem que usamos para
falar sobre a vida mais do que algo que faz parte de uma realidade
determinada biologicamente. Para uma minoria crescente e cada vez mais
barulhenta, essa é uma construção que já teve a sua época.
No entanto, aqui estamos nós escrevendo,
e aqui está você lendo um livro sobre mulheres: um livro que afirma não
só que mulheres existem, mas também que o gênero é um bem intrínseco e
essencial, e uma parte dada por Deus de quem somos. Então, antes de
ponderarmos sobre outras questões acerca do ministério de mulheres,
precisamos primeiramente entender o que é ser uma mulher (ou um homem)
nos propósitos de Deus.
Deus criou o ser humano homem e mulher
Como vimos no Capítulo 1, a Palavra de
Deus por si só fornece a base para a fé e a vida, e o melhor lugar para
começar a explorar questões relacionadas a gênero são os três primeiros
capítulos da Bíblia, onde (entre outras coisas) Deus nos dá uma lição de
antropologia bíblica: uma introdução a quem nós somos.
Gênesis não começa com apenas um relato
da criação, mas com dois relatos complementares (Gênesis 1.1–2.3,
2.4-25). Ambos tratam da criação de Deus de todas as coisas, mas dão
visões e focos diferentes sobre verdades complementares. Eles não são
relatos conflitantes, mas também não são idênticos. Cada um ensina as
mesmas e, no entanto, diferentes verdades sobre Deus, criação e
humanidade.
Ambos os relatos revelam Deus como
criador soberano, governante e legislador amoroso. Ele está lá antes de
qualquer outra coisa. Ele vê todas as coisas, sabe de todas as coisas e
cria todas as coisas. Ele é generoso e bom. Ele está acima da criação,
chamando-a à existência (Gênesis 1), e está presente nela, formando,
plantando e dando vida (Gênesis 2).
Em ambos os relatos, o caos e a falta de
forma são substituídos por ordem, distinção, propósito e produtividade.
Deus está sempre separado e é distinto de sua criação. Ele governa
sobre ela e está presente nela, mas ele não está e nem mesmo é parte de
qualquer coisa criada.
No entanto, curiosamente, quando
chegamos ao auge de sua obra criativa – “homem” ou a humanidade – vemos
que o Criador compartilha sua imagem divina com suas criaturas (Gênesis
1.26-27; Gênesis 9.5-6). Os homens correspondem a ele e, assim,
relacionam-se com ele como nenhuma outra criatura. Eles são o seu rosto
para sua criação, feitos à sua imagem para cuidar e governar como seus
representantes.
Mas não são humanos sem gêneros; são
seres humanos homem ou mulher. Uma humanidade em dois tipos, ambos
igualmente feitos e apreciados por Deus. Ambos carregam igualmente a
imagem divina. Ambos são responsáveis por encher a terra e governá-la
como representantes de Deus. Mas são decididamente diferentes: homem ou
mulher.
Agora, você não precisa que eu lhe diga
que Deus fez os pássaros, e abelhas, e a maioria das outras criaturas
como macho e fêmea também, mas em Gênesis isso fica subentendido. Não é
assim em relação aos humanos! A nossa diferenciação sexual é mencionada
porque é significativa. E ela leva à ordem de Deus de que os seres
humanos devem ser frutíferos, multiplicarem-se e produzirem mais
portadores da imagem para estender o domínio de Deus por toda a criação
(Gênesis 1.28).
Mas nossas diferenças sexuais também
ajudam a nos dizer quem somos, como seres humanos criados à imagem de
Deus. Precisamos ter cuidado com a forma como entendemos isso. Certa vez
ouvi alguém dizer que Deus fez a humanidade como sendo homem e mulher
porque Deus é masculino e feminino. Isso não é o que a Bíblia ensina.
Ser feito à imagem de Deus tem algo a ver com seres humanos serem homens
e mulheres, mas não é porque Deus é masculino e feminino.
Deus é espírito (João 4.24) e não possui
gênero como nós. Algumas vezes a Bíblia usa o imaginário feminino para
descrever Deus, mas Deus se revelou como Pai, Filho (que se tornou o
homem, Jesus Cristo) e Espírito (que é o Espírito do Pai e do Filho), e
podemos conhecer a Deus somente como ele se revelou. É certo, então,
usar pronomes e títulos masculinos para Deus e não ignorar a sua
autorrevelação.6 Ao mesmo tempo, porém, Deus não é homem da forma como
homens e meninos são.
No entanto, Gênesis nos diz que o que
quer que tenha sido feito à imagem de Deus tem um significado para a
humanidade nosso papel como seus representantes, nossa capacidade de
julgamento moral, relacionamentos, criatividade e assim por diante –
também envolve ser criado como homem e mulher. Recebemos uma dica de que
é assim quando Deus diz: “Façamos o homem à nossa imagem” (Gênesis
1.26), e, em seguida, o escritor acrescenta: “à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou” (v. 27). O apóstolo Paulo faz algo semelhante
ao ligar as diferenças de gênero com a nossa criação à imagem de Deus e
coloca a sua discussão no contexto teológico das relações ordenadas
dentro da Divindade (1 Coríntios 11.3, cf. 11.7-8, 12).7 Ser feito à
imagem de Deus e ser homem e mulher são características que se
relacionam.
A relação de homem e mulher – uma
relação de unidade e diferenciação de partes não idênticas, mas iguais
da humanidade reflete, de alguma maneira, a perfeita unidade e
diferenciação das pessoas eternas do Deus trino: um só Deus em três
pessoas, iguais em divindade e pessoalidade, que amam, agem e se
relacionam em perfeita unidade.
No entanto, apesar dessa igualdade e
unidade, as pessoas divinas não são intercambiáveis; nem são as suas
relações ou funções. O Pai é o Pai e não o Filho ou o Espírito. O Filho é
o Filho, não o Pai, e assim por diante. Além disso, o Pai envia o
Filho, não o Filho ao Pai. O Filho é gerado pelo Pai, não o Pai pelo
Filho. O Filho se encarnou, não o Pai ou o Espírito. Unidade e
diferenciação. Uniformidade e diferença. E ordem sem desigualdade. Tudo
isso é verdadeiro sobre o Deus trino.
Da mesma forma, homens e mulheres são
iguais em humanidade, dignidade, valor e propósito, mas não idênticos,
e, quer sejamos casados ou não, nossas diferenças trabalham juntas para
criar relacionamentos de unidade e complementaridade. Não somos
simplesmente pessoas. Somos pessoas masculinas ou femininas feitas para a
sociedade humana, construída por meio de relacionamentos com pessoas de
ambos os sexos.
As tendências atuais sobre a sexualidade
humana não deveriam nos surpreender. Assim como o nosso rosto ou imagem
não permanece no espelho quando nos afastamos, noções modernas de
diversidade e flexibilidade de gênero, e a agenda do movimento
homossexual são simplesmente expressões de nossa sociedade se afastando
daquele de quem somos feitos à imagem. À medida que nos esquecemos de
Deus, perdemos nossa identidade. Mas o fato permanece: Deus nos fez com
polaridade binária de gênero, e essa é uma parte boa de nossa identidade
que foi dada por Deus.
Gloria Furman é esposa, mãe, trabalhadora trans-cultural e autora dos
livros "Vislumbres da Graça", "Sem Tempo para Deus" e "A Esposa de
Pastor" (todos pela Editora Fiel).
Website: www.gloriafurman.com
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