A internet possui esta peculiaridade: por motivos nem sempre claros, uma foto, um texto, uma frase ou um vídeo tornam-se célebres repentinamente, dignos de risos, admiração, ou mesmo repulsa e ódio. Com a potencialização de compartilhamento das redes sociais, o fluxo dos sentimentos se intensifica, e é possível criar personalidades, destruir carreiras, condenar posturas. Neste momento, um dos conteúdos publicados na rede que mais têm gerado manifestações é o vídeo em que uma repórter de um programa televisivo baiano ridiculariza um suspeito de estupro: http://www.youtube.com/watch?v=VVZLnu0IIRw
Quando escrevo este texto, são mais de 500.000 visualizações do vídeo, sendo que cerca de 85% dos usuários que o qualificaram disseram que “não gostaram” do conteúdo. Antes tarde do que nunca: não é de hoje que se alerta para a midiatização da violência através do reforço de estereótipos e da simbolização da atividade policial em termos nocivos às próprias polícias, que se tornam reféns de um modelo exclusivamente repressivo, não qualificado, que é destacado irresponsavelmente como eficiente – desestimulando, assim, o investimento político em ações planejadas, consolidadas e preventivas. Em poucas palavras, o brilho parcial lançado à repressão de jovens pobres e negros impede outro modo de lidar com estas pessoas que não através da lógica do extermínio e do encarceramento.
Neste episódio, só surpreende o espanto assumido pelo público em geral, inclusive dos jornalistas que se manifestaram em carta aberta repudiando a postura dos colegas, já que cenas semelhantes se repetem em larga escala cotidianamente, sob os olhares complacentes (ou politicamente receosos?) das autoridades constituídas.
Tanto é comum e rotineiro, que o apresentador do programa em que a matéria foi ao ar vem se manifestando contra este repentino pudor de seus espectadores:
Sob o discurso da “liberdade de imprensa”, instituto fundamental à manutenção da democracia, cometem-se ilegalidades e abusos que aprofundam as marcas históricas de discriminação e desrespeito aos setores vulneráveis da sociedade – ou alguém acha que cenas assim ocorreriam com um “bem nascido”? Errou a repórter, animadora de baixa qualidade; erraram a emissora e os responsáveis pelo programa, que sedentos por audiência e acostumados com o absurdo publicaram os abusos; erraram os policiais, que permitiram o achincalhe; e, por fim, erramos todos nós, que há muito toleramos tais conteúdos, sorrindo descaradamente da nossa própria miséria social.
Autor: Danillo Ferreira - Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA. | Contato:
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